Universalismo X particularismo do ser humano
A Antropologia do século XIX pensava a humanidade em uma escala evolutiva.
O racismo pode ser visto como uma das principais implicações deste tipo de pensamento, principalmente no que se refere à ideologia do colonialismo.
Por outro lado, essas teorias trouxeram também algo novo: a ideia de colocar no mesmo barco todas as populações do mundo.
Até o século XIX, ainda se discutia se as populações encontradas pelos europeus eram de fato humanas!
Apesar de a bula Sublimis Deus, promulgada pelo Papa Paulo III em 1537, estabelecer o direito à liberdade dos indígenas e a proibição de submetê-los à escravidão, na Espanha do século XVII ainda se discutia se os indígenas tinham ou não alma.
A inclusão de todas as populações em uma única história humana teve como base a hierarquia evolutiva.
A Antropologia, porém, não se satisfez com essa perspectiva e, desde o final do século XIX, passou a criticar a teoria do evolucionismo. O principal instrumento para fundamentar essa crítica foi o conceito de cultura.
Civilização X Cultura
Já no final do século XIX, o antropólogo alemão Franz Boas construía uma crítica à ideia de civilização das teorias evolutivas na Antropologia. Vimos que por trás da ideia de progresso havia uma ideia de civilização que estabelecia uma hierarquia: civilizados eram os europeus (e norte-americanos), enquanto as demais populações eram escalonadas entre mais e menos atrasadas.
Essa ideia foi duramente criticada por Boas, pioneiro da Antropologia estadunidense. Embora não tenha sido o primeiro a utilizar o termo cultura, ele foi o primeiro a empregar a palavra em seu sentido moderno, propriamente antropológico.
Antes dele, cultura era sinônimo de "civilização" e um atributo dos países tidos como civilizados. Boas inaugurou a utilização do conceito em uma perspectiva pluralista: ele fala de"culturas" e não em "cultura". Pode parecer uma pequena diferença, mas foi uma grande transformação.
E por que?
Porque quando pensamos culturas no plural, torna-se possível desconstruir as hierarquias, tão importantes para o pensamento colonial e racista em geral.
Quando pensamos em culturas no plural e não escalonamos as culturas em uma ordem qualquer, cada cultura passa a brilhar com luz própria, em seus próprios termos. Esse brilho individual, singular, é o que interessa à Antropologia desde o final do século XIX, a partir do trabalho de Boas.
Para ele, as diferentes populações que existem no mundo têm diferentes culturas e é praticamente impossível estabelecer entre elas qualquer tipo de hierarquia.
Analisando a história de várias populações indígenas do noroeste norte-americano e do Alasca, o antropólogo chegou à conclusão de que é muito difícil estabelecer entre elas qualquer tipo de hierarquia, pois as histórias são tão particulares, e preenchidas por interesses tão diferentes, que qualquer comparação só seria possível se fosse utilizada uma medida de análise, que seria sempre arbitrária. Ou seja, a comparação para estabelecer uma hierarquia sempre deveria adotar algum critério, tomado de alguma população, e nesse processo a própria comparação já seria injusta.
Nascido e educado na Alemanha, Boas formou seu conceito de cultura a partir das concepções alemãs de Kultur, ou "espírito do povo".
Ele transporta essa ideia para a Antropologia, em uma crítica ao evolucionismo. Para Boas, cultura era um todo integrado, e não apenas um conjunto desagregado de práticas, hábitos, técnicas, relações e pensamentos.
Essa integração de múltiplos elementos, ordenados a partir de um princípio compartilhado por todos os indivíduos de uma sociedade específica, criava a cultura. Por ser única e exclusiva de cada sociedade, inviabilizava qualquer tentativa de comparação a partir de pressupostos arbitrários. Para Boas, qualquer comparação exigiria tanto cuidado e tanta investigação histórica e antropológica que, na prática, seria inviável.
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