Tikal: um estudo de caso sobre desenvolvimento urbano

Mohenjo-Daro e Teotihuacan, como outras cidades antigas em todo mundo, foram muito mais que vilas neolíticas expandidas. Houve mudanças tão grandes na transição de vila para cidade que o surgimento da vida urbana é considerado por alguns estudiosos um dos maiores desenvolvimentos da cultura humana.

O estudo de caso a seguir apresenta um exemplo de outra cidade antiga, descreve como os arqueólogos a estudam e como pode ter ser desenvolvido a partir de uma pequena comunidade agrícola.

Definição de Civilização

A palavra "civilização" vem do latim civis, que se refere àquele que habita em uma cidade, e civitas, que se refere à comunidade urbana onde uma pessoa mora.

No uso comum, nos EUA e na Europa, a palavra civilização tem a conotação de refinamento e progresso e pode implicar julgamentos sobre culturas, de acordo com um padrão etnocêntrico.

Em Antropologia, ao contrário, o termo tem um significado mais preciso que evita noções ligadas a cultura.

Os antropólogos utilizam o termo civilização para se referir às sociedades em que grande número de pessoas vive nas cidades, são socialmente estratificadas e governadas por uma elite dominante que opera através de sistemas políticos constituídos e centralizados chamados Estados.

À medida que as vilas do Neolítico cresceram, as primeiras cidades do mundo se desenvolveram. Isso aconteceu entre 4.500 e 6.000 anos atrás, primeiro na Mesopotâmia (atualmente Iraque), depois no Vale do Nilo, no Egito, e no Vale do Indo (hoje Índia e Paquistão). Na China, a civilização já estava em desenvolvimento há 5.000 anos. Independentemente desses progressos na Eurásia e na África, as primeiras cidades indígenas nas Américas surgiram no Peru, em torno de 4.000 anos atrás, e na Mesoamérica, cerca de 2.000 anos atrás.





Quais as características dessas primeiras cidades? Por que são consideradas berço das civilizações?

As primeiras características das cidades - e das civilizações - são o tamanho e o número de habitantes. No entanto, as cidades são muito mais que pequenas vilas que cresceram.

Çatalhöyük

Considere o caso de Çatalhöyük, um povoamento compacto de 9.500 anos na região centro-sul da Turquia.

As casa amontoadas de mais de 5 mil habitantes não deixavam espaço para ruas.

As pessoas andavam sobre o telhado das casas vizinhas e passavam por um buraco para entrar nas próprias casas.

As paredes eram cobertas com todo tipo de pintura e baixos-relevos, as casas eram estruturalmente similares e não havia arquitetura pública estabelecida.

As pessoas cultivavam alguns produtos, criavam animais e também coletavam quantidades significativas de plantas e animais selvagens, mas nunca intensificaram as práticas agrícolas.

As evidências de divisão do trabalho ou de uma autoridade central são mínimas ou inexistentes.

Çatalhöyük parecia um amontoado de várias vilas neolíticas em um único lugar.

Mohenjo-Daro

Em comparação, as evidências arqueológicas dos primeiros centros urbanos demonstram planejamento organizado por uma autoridade central, intensificação tecnológica e estratificação social.

Por exemplo, proteção e controle de enchentes eram componentes vitais nas grandes cidades antigas do Vale do rio Indo, onde hoje se localizam Índia e Paquistão.

O centro urbano de Mohenjo-Daro, cujo auge foi há aproximadamente 4.500 anos, com uma população de pelo menos 20 mil habitantes, foi construído sobre um monte artificial, protegido das cheias. Ademais, as ruas dessa cidade densamente populosa foram elaboradas em padrão de grade e incluíam casas individuais com sistemas sofisticados de drenagem.

Teotihuacan

Os povos antigos incorporavam suas crenças espirituais e ordem social nas cidades que construíam.

Por exemplo, o traçado da grande cidade mesoamericana de Teotihuacan, fundada há 2.200 anos, traduzia o calendário solar em um padrão espacial unificado.

A Calçada dos Mortos - um imenso eixo norte-sul que começa na Pirâmide da Lua, ladeado pela Pirâmide do Sol e pelo palácio real - foi deliberadamente orientada para um marcador astronômico, a leste do norte verdadeiro.

Aqueles que planejaram a cidade até mesmo canalizaram o rio San Juan para se adequar ao projeto, no trecho em que este corta a cidade.

Em torno desse núcleo havia milhares de complexos de habitações, separadas umas das outras por ruas estreitas, também com a mesma orientação a leste do norte por toda a cidade. Estima-se que mais de 100 mil pessoas habitavam essa grande cidade até seu colapso, possivelmente no século VII.

Finalmente, Teotihuacan apresenta evidências claras de diversidade econômica e social. É possível reconhecer seis níveis sociais pelas diferenças de tamanho e qualidade das habitações.

Aqueles que estavam no topo da escala social, ou perto dele, viviam na Calçada dos Mortos, ou próximos a ela.

A Pirâmide do Sol, nessa mesma avenida, foi construida sobre uma caverna, considerada um portal para o mundo inferior e morada de entidades associadas à morte.

Os artesãos de Teotihuacan trabalhavam com produtos exóticos e matéria-prima importada de regiões distantes; pelo menos dois bairros abrigavam pessoas com parentesco com estrangeiros, um com Oaxaca, o outro (o "bairro dos comerciantes") com as terras baixas do Golfo e dos Maias. Os agricultores, cujo trabalho nos campo (alguns com irrigação) fornecia alimentos para os habitantes da cidade, também residiam nesses bairros.

As cidades e os Estados - introdução aos agregados humanos organizados

A Cidade: uma Máquina do Tempo

Com o surgimento de cidades e estados, as sociedades humanas começaram a desenvolver e constituir governos que centralizavam o poder e possibilitaram a construção de estruturas monumentais, como as grandes pirâmides do Egito, próximas à cidade do Cairo.

No entanto, as cidades e os estados também geraram uma série de problemas que os seus habitantes ainda hoje enfrentam.

Por exemplo, a estratificação social, em que uma elite dominante controla os meios de subsistência e muitos outros aspectos da vida cotidiana, traz exploração a muitos moradores de áreas mais afastadas e pobres.

Embora as pessoas das sociedades estratificadas sejam interdependentes, a elite tem acesso desproporcional a todos os recursos e exerce controle sobre eles, incluindo a mão de obra.

No Cairo, como em outras grandes cidades, as residências, por exemplo, são dramaticamente diversas para diferentes classes sociais. Enquanto a elite vive em casas luxuosas, 5 milhões de pessoas pobres habitam ilegalmente as tumbas de um cemitério, conhecido como Cidade dos Mortos.



Um passeio por uma rua movimentada de Nova York ou São Francisco mostra inúmeras atividades essenciais da sociedade norte-americana.

As calçadas estão repletas de pessoas que entram e saem de escritórios e lojas.

O fluxo intenso de carros, táxis e caminhões periodicamente provoca congestionamentos.

Em apenas duas quadras pode-se encontrar comércio variado: mercearias, lojas de roupas e utilidades, livrarias, restaurantes, bancas de jornal e revistas, postos de gasolina, cinemas. Outros locais, como museus, delegacias de polícia, escolas, hospitais ou igrejas, distinguem alguns bairros.

Cada um desses postos de serviço ou locais de comércio depende de outros que estão fora dessas quadras.

Um açougue, por exemplo, depende de matadouro e fazendas de criação de gado.

Uma loja de roupas não existe sem estilistas, sem fazendeiros que produzam algodão e lã, ou operários que manufaturam as fibras sintéticas.

Os restaurantes dependem de transporte refrigerado e produtores de legumes, verduras e laticínios.

Os hospitais precisam de seguradoras, farmacêuticas e de equipamentos médicos para funcionar.

Todas as instituições, afinal, necessitam dos serviços de utilidade pública - telefone, gás, água e eletricidade.

Embora a interdependência não esteja de imediato aparente, é um aspecto relevante nas cidades modernas.

A interdependência de bens e serviços em uma grande cidade faz com que inúmeros produtos estejam prontamente disponíveis. Mas a interdependência também gera vulnerabilidade.

Se houver greve, mau tempo ou atos de violência, pode haver interrupção no funcionamento de um serviço; outros podem se deteriorar.

Ao mesmo tempo, as cidades apresentam rapidez na capacidade de responder às tensões. Quando um serviço é interrompido, outros assumem suas funções.

Durante uma longa greve dos jornais, em Nova York na década de 60, por exemplo, várias revistas foram lançadas e as redes de televisão expandiram a cobertura de notícias e eventos. Esse fenômeno lembra o aumento recente do número de reality shows nos EUA, durante a greve dos roteiristas de Hollywood, no fim de 2007 e início de 2008.

Em muitas partes do mundo, a violência das guerras tem causado danos imensos à infraestrutura básica, o que provoca o desenvolvimento de sistemas alternativos para lidar com a situação, desde tarefas básicas, como obter alimentos, à comunicação entre os sistemas políticos globais.

Com o surgimento da internet e da globalização, a interdependência de bens e serviços, que costumava ser característica apenas das cidades, se estende muito além dos seus limites.

À primeira vista, a vida na cidade parece tão ordenada que a consideramos normal; mas um momento de reflexão nos faz lembrar que sua estrutura intrincada nem sempre existiu, e a disponibilidade concentrada de diversos produtos é um desenvolvimento muito recente na história humana.